terça-feira, 30 de setembro de 2008

domingo, 21 de setembro de 2008

Deambulações da mente sobre as do coração

Título piroso, eu sei. Mas faz sentido.
Uma conversa inesperada a horas tardias relembrou-me da teoria do unicórnio, na qual já não pensava há uns tempos largos.
Unicórnio - animal mitológico, tem o corpo de um cavalo alado e um corno na testa. É considerado indomável, excepto por uma virgem.
Ao pensar nos diversos personagens que povoam a minha vida (a quem gosto de chamar amigos) constato que já não somos propriamente folhas em branco no que a relações diz respeito. Sempre achei que todos nós temos pelo menos um unicórnio na vida. Aquela/e who got way. Aquela/e que nos apanhou de repente, nos atirou ao ar para o vértice de um furação nos baralhou os interiores, nos pendurou de cabeça para baixo para que a vida nos caísse dos bolsos. Invarialmente, essa pessoa assume o estatuto de unicórnio. Mesmo que passem anos, mesmo que tenhamos outras pessoas muito melhores pelo caminho, mesmo que estejamos muito melhor, nunca lhe vemos os defeitos (nem presentes nem passados), continuando a ter aquela sensação estranha sempre a/o vimos.
Não podemos fazer nada quanto a isso, excepto talvez perceber que afinal são só cavalos e estávamos a tripar com os cogumelos que não metemos.

domingo, 14 de setembro de 2008

O cúmulo da tecnologia é...

A miúda ter nascido há minutos e eu já ter uma foto dela no telemóvel.

Miúda,

Tal como prometi aqui.

No princípio, mesmo no princípio referi-te aqui. Depois descobri todo um novo mundo à tua custa. Ainda assim, nunca falei com a propriedade de agora. Sabes, é que nestas coisas de gravidezes eu sou tipo gajo - só lá para o final dos 7/8 meses é que a coisa começa a ganhar proporção real.
Hoje, que fui acordada com a sms da tua mãe a dizer que ia para o hospital, isto ganhou importância acrescida. Já não és uma imagem distante por meses. Provavelmente (se fores porreira e não fizeres a tua mãe, que digo-te já: Não merece, ouviste?!, passar um mau bocado), logo à noite já te vemos. Umas pegar-te-ão ao colo. Eu confesso que tenho medo de bébés do teu tamanho, mas prometo que vou tentar.
Na maior lotaria da vida, calhou-te uma ganda família, miúda! E também levas umas "tias" porreiras. Garanto-te que entres nós as 4 andarás sempre muita bem vestida, saberás cozinhar iguarias complicadas com 3 anos, terás amigas para brincar, para tomar conta de ti. Já avisei as tuas "tias" e mãe que entro com: brincadeiras na praia e afins, noite, leituras, viagens e música. Imagino que este leque se vá alargando conforme me for habituando a ti.
Ah, é verdade! Ainda não te falei da tua avó. Ela aturou-nos muita coisa, sabes? Agora assim de repente, lembrei-me do Benzina (depois explico-te o que era, puki) Para ti, melhor! Não te esqueças de um dia nos agradecer por já termos desbravado caminho!
Importante é que saibas que tens sempre alguém a quem recorrer sempre. Em todas as situações (acredita, miúda, por mais que te esforces durante a adolescência, duvido que me choques. E se eu própria me esquecer disto, ou fingir que o esqueci, não te ensaies em relembrar-me), sejam problemas de que ordem forem.
Se calhar já ouve melhores alturas para se nascer, mas de certeza que também já houve piores. Ou então, sou eu que estou bem disposta e ainda não li as notícias hoje. Lembro-me de há uns anos, o meu pai receber no dia de anos, de um amigo, a 1ª página do D.N. do dia em que nasceu, emoldurada. Isto implicava ir ao edifício do D.N. (é ali ao pé do Marquês de Pombal, depois mostro-te), mais concretamente ao arquivo procurar uma página com 20, 30, ou 50 anos! Para te facilitar o trabalho, já guardei a tua (mais um motivo para te despachares e nasceres hoje). Vou guardar também o Record, o Diário Económico e o Público. Daqui a uns anos podes ter a tua própria opinião sobre a 1ª linha deste parágrafo, boa?
Já me estão a acusar de manipular-te só para mim, e mai não sei quê... Já não pode uma pessoa dar uns conselhos, e tal?! Há muitas mais coisas que te queria dizer, muitos mais avisos a fazer, muitas novidades a contar, mas fica para depois.
Pronto, agora que já te roubei tempo suficiente, vai lá à tua Vida...

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Say Goodbye - Dave Matthews & Tim Reynolds

Às vezes tenho vontade de experimentar esta música. Acho que, pela mesma razão que gosto de fotografia - uma memória concentrada num momento.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

15.08.08

Acordo lentamente de uma noite muito bem dormida. Faço mentalmente o percurso inverso que me trouxe até aqui: 6.30h a pé, 2.30h no colectivo, inúmeros kms no Jimny pelas estradas da Costa Rica, avião desde Dallas, antes disso avião desde Londres, antes disso ainda avião desde Lisboa, táxi de casa da G. até ao aeroporto, carro de minha casa a casa da G.... Tenho pena de não ficar mais um dia, mas não temos tempo.
Arranjamo-nos, desmontamos a tenda, comemos qualquer coisa e arrancamos. Passa pouco das 6.00h e faz toda a diferença fazer a caminhada com menos calor. Aliás, chove um bocadinho, não o suficiente para nos atrapalhar, mas o suficiente para mudar toda a paisagem. Parece que encomendámos: "Vamos por pouco tempo, mas queremos ver tudo!"
Vamos a caminho da 1ª etapa: a passagem do rio Grande (desta vez com o kick de já sabermos que é a adorável residência de crocodilos). Mais uma vez cruzamo-nos com uma manada de chanchos e temos de esperar em silêncio e completamente imóveis que passem.
Após confirmar com o Abraham que a zona estreita é onde os crocodilos costumam caçar, convenço-o a dar umas voltas por ali na expectativa de ver algum em acção. Não temos sorte. Avançamos para a praia e ficamos a saber que, da mesma forma que os tubarões entram no rio, os crocodilos saem para o mar!
Iniciamos o caminho de regresso, sentindo de antemão que vai ser duro. O sol já está mais quente, ou eu mais cansada. Continuo a ver novos animais, novas plantas. Como se estivesse a ver tudo pela 1ª vez. De facto, a única parte do meu corpo que não se sente uma estreante por estas paragens, são mesmo as pernas.
Chegamos à fatídica praia que temos de atravessar: a Playa Llorona. Tenho quase a certeza que li algures que o nome se deve ao jorro de água no meio das rochas, mas o Abraham diz-nos que é por haver pessoas que choram para a atravessar. Brincadeirinha local!
Aqui encontramos o Michael e o Daniel. Saíram 3h antes de nós mas perderam-se. Não me espanta. O Abraham contou-nos que há uns tempos 2 nórdicos vieram aqui e tentaram fazer tudo sozinhos, recusando por mais de uma vez a ajuda de um guia. Um caiu para o lado nesta praia fulminado pelo calor, o outro entrou em pânico e fugiu para dentro do mato à procura de abrigo do sol... até hoje. Como se este sítio não impusesse respeito por si só.
Começo a ouvir um barulho familiar mas que está claramente deslocado. Olho para cima e vejo 1 avião. Só posso imaginar como será a vista lá de cima, selva e mar separados por uma praia com 3 pontinhos minúsculos a atravessá-la. Tenho a sensação que o mesmo pensamento cruza os nossos espíritos ao vermo-nos reciprocamente e é: "Que parvos!" Provavelmente cada um de nós está exactamente onde deve estar para conseguir tirar desta experiência algum sentido.
Continuamos a nossa senda de praia, bosque, praia, bosque. Ainda não perdi completamente a esperança de avistar um felino. Cada vez sinto os sentidos mais apurados e muitas vezes topo animais bastante camuflados sem qualquer ajuda do guia (temo que, perante o meu entusiamo, a G. esteja a ponderar seriamente deixar-me aqui para desenvolver uma carreira frutuosa enquanto guia).
Numa das incursões pela floresta entramos num antigo cemitério (se é que 1/2 dúzia de campas tem esse estatuto) que data dos anos 60/70. Tento decorar os nomes e as datas, sabendo à partida que me vou arrepender de não ter tido o trabalho de parar para os apontar. Lembro-me de um rapaz chamado Francisco (fácil, igual ao irmão que apelidamos de "puto") que morreu com 4 anos e de uma mulher de apelido Cortez. Não tirei fotos porque considero desrespeitoso.
Passamos de novo pela árvore de conto de fadas com o nome "puerta de la iglesia". Hoje compreendo melhor o seu significado do que ontem. Este sítio é espiritual. Atravessamo o rio Madrinhal antes de chegar à estação La Leona. Devem faltar uns 45 min de puro sofrimento (pelo menos para mim). Já não temos água, todos os músculos dão sinais de alerta, os pés doem-me e as feridas que tenho nos tornozelos idem. Mentalmente defino as minhas prioridades quando chegar:
1. Beber água;
2. Descalçar-me;
3. Tomar duche; e
4. Descansar.
Se der para encaixar comer qualquer coisa entre os pontos 3. e 4. tanto melhor! Enumero a minha lista à G. Discorda. Para ela é: 1. Descalçar, depois logo se vê. É ridículo, mas esta conversa entretém-nos um bom bocado.
Começamos a ver umas cabanas dispersas e o chão torna-se relvado. Com o cansaço e a ânsia de chegar não vejo um buraco e mando uma espeta épica. Nem sinto. Só penso em chegar.
Quando finalmente chegamos à estação La Leona, nem passo cartão ao homem que nos oferece Coca-cola e afins. Dirijo-me à água e emborco 3 copázios antes sequer de pensar. Depois, mantendo-me fiel à minha lista, descalço-me (ponderando deixar os ténis já aqui). Depois tomar banho no duche (nem me apetece ir ao mar, só a ideia de água salgada dá-me arrepios). Borrifamos bem para o facto do La Leona ser o tent lodge onde a malta com dinheiro vem brincar às selvas e desatamos a fazer sandes de atum no relvado. Depois, começo a procurar pouso. A G. numa rede. Eu deito-me na relva. Pica. Vou buscar a esteira. Melhor, mas ainda não perfeito. Vou buscar uma cadeira (para pôr as pernas para cima) e a minha almofada (sim, era esta a figura em que me apresentava). Agora sim, 28h, cerca de 40 km, anos de experiências depois de ter aqui chegado, caio no sono mais profundo sem direito a sonhos. Quando acordo, luto com a mente para que me diga onde estou. Olho para a praia, vejo um homem com um chapéu improvisado de plantas e com ar de zombie a atravessá-la.
O Abraham e o amigo Andy gozam connosco por termos quinado ferradas. Começo já a avisar que não consigo fazer os 3.5km até ao colectivo a pé. Peço que nos deixem ir na carroça das malas. Arrumamos as coisas e quando o condutor começa a dizer que só dá para ir 1 na carroça, já lá estamos as 2 empoleiradas a olhar para ele em modo gato-das-botas-do-Shrek. Vai a pé.
Faço quase todo o caminho virada para trás a despedir-me do paraíso, sabendo que provavelmente ao longo do resto da vida verei alguns sítios mais loucos (e muitos que não o são), mas nunca voltarei a um sítio igual. Sinto que este sítio me acompanhará por muito mais tempo do que o que aqui passei e isso reconforta-me. You can take the girl out of the jungle but you can't take the jungle out of the girl.

















Mãe e Pai, desta vez é amor, a sério!


O outdoor do Scirocco ao pé de minha casa diz: "Porta-te bem". Deve ser psicologia invertida porque ao olhar para ele apetece-me tudo menos isso...

Fay, Gustav, Ike?

Mas quem é que inventa os nomes dos furacões? Desconfio que uma equipa de casting de telenovela mexicana... e má.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Coisinhas boas para fazer em Lisboa

Mais uma edição do Cinema ao ar livre no jardim da Estrela, esta semana, todos os dias às 22.00h. Já fui 2 vezes.



Cartaz aqui.

domingo, 7 de setembro de 2008

14.08.08

Acordamos ainda de noite e em menos de 1/2 h estamos na paragem de onde parte o colectivo para Carate: o ponto de entrada para o Corcovado.

O colectivo é efemismo para autocarro, pois trata-se de uma camioneta de transporte de animais, cuja única diferença é ter um banco corrido em cada lado. Arranca para uma viagem de 2.30 h pela estrada mais esburada onde já andámos.

À chegada já o sol vai alto (o que em linguagem tica se traduz por 8h e tal da manhã). No caminho, apercebemo-nos que deixámos todo o dinheiro nas mochilas grandes e só temos connosco uns quantos colones e outros tantos dólares (Claro que não nos lembrámos de que até na selva podemos precisar de dinheiro!). Concluímos que isso não vos vai impedir de arranjar um guia.
Chegadas a Carate começamos a perguntar e indicam-nos o Abraham (depois de nos terem dissuadido, e ainda bem, de arrancar sozinhas). Muito bem, queremos, seguido da explicação: "Só podemos é pagar em Puerto Jimenez. Sabe, é que esquecemo-nos de trazer dinheiro..." Mais uma vez levamos com o olhar estas-gajas-são-loucas. Nada que 2 dedos de conversa e 2 sorrisos pepsodent não resolvam!

Tudo tratado, arrancamos para a 1ª etapa: 3.5km pela praia, debaixo de um sol escaldante e carregadas até à estação Leona, onde nos espera o Abraham.

Chegamos tarde e ele avisa-nos logo que temos de nos despachar por causa da maré senão, "no hay paso". Está preocupado, especialmente com a travessia do Rio Grande.

Arrancamos. Passados uns metros, somos rodeados por um bando de macacos "cara-branca" (como dizia o guia), com um ar muito pouco amigável. Ia disparar umas fotos mas o ar calmo com que o Abraham diz: "Vêem como eles estão de boca aberta e com as patas ao lado do corpo? Isso é a posição de ataque.", dissuade-me.

Apressamos o passo. Durante horas atravessamos selva por senderos por vezes imperceptíveis ao olho destreinado (agradeço mentalmente ao tipo que me convenceu a trazer um guia). Vemos as 4 espécies de macacos a balouçarem-se nas copas das árvores: titi-titi, congo (uivador), aranha e os maus-em-posição-de-ataque; todas as espécies possíveis de pássaros, papa-formigas, um tapir enorme a alimentar-se perto da praia.

Quase como se fosse de propósito quando nos cansamos de subir e descer encostas enlameadas no meio da vegetação, o caminho passa a ser feito pela praia, com o mar ali a gozar-nos enquanto afundamos os ténis na areia escaldante, ao ponto de ansiarmos por bosque de novo, o que acontece, mais tarde ou mais cedo. A profusão de plantas e a sua variedade é incrível. Olho para cima, vejo uma cidade feita de árvores de 20, 30, 50 mts de altura, povoada de vida. Sinto-me uma outsider aqui. Tudo isto existe há milhares de anos e assim continuará (esperemos) depois de eu morrer, sou só uma passageira temporária e não pertenço aqui (esta sensação de que os humanos não pertencem aqui acompanha-me todo o percurso). Sinto-me constantemente observada, não tenho dúvidas de que a minha presença (quem sabe invasão) é notada. No entanto, tudo disso não invalida o facto de me sentir de certa maneira em casa, sentir que não preciso de nada para além das poucas coisas que tenho comigo.

À frente, a puxar por nós está o Abraham, depois a G., no fim, mais para trás, eu. Penso nos jogos olímpicos que adoro e dos quais ainda não vi nada, penso em como eu daria uma uma péssima corredora de 100 mts e uma atleta de maratona razoável. Prefiro manter-me um pouco distanciada e ao meu próprio ritmo, perdida nos meus pensamentos, sentindo que ainda tenho em mim energia para continuar horas e horas.

A certa altura sinto um restolhar rasteiro imediatamente atrás de mim à direita. Não eram concerteza macacos (no chão?), papa-formigas (andam sempre em grupo, tal como os javalis). Não, este era um animal solitário e grande. Deliro com a possibilidade um jaguar ou puma - os mais desejados e, obviamente, mais difíceis de avistar. Fiz um sinal ao guia a dizer que ia voltar para trás. Acompanharam-me. Esperámos, olhámos, sustivémos respirações... nada. Tudo (incluíndo estranhamente os animais) em silêncio.Resignados, retomamos o caminho e estacamos de seguida, o trilho cortado pela passagem de um veado. O Abraham confirma que o barulho que eu ouvi era seria um puma desceu das terras mais elevadas onde habitualmente andam, para se alimentar. Quero acreditar que sim. Penso nas inúmeras possibilidades se voltasse 5 min atrás no tempo e tivesse o poder de alterar o rumo dos acontecimentos...

O nosso guia Abraham, nascido e criado em Carate, tico até ao tutano, 34 anos, corte de cabelo a fazer lembrar o mau gosto que assolou as camadas futebolísticas portuguesas na década de 90, leva uma mochila pequena, 1/2lt de água, uma t-shirt e calções, uma galochas com meias até ao joelho (que dão 10 a zero aos nossos kits ténis + havaianas para travessia de rios), move-se com a destreza e facilidade que só vêm com a intimidade. Está no seu elemento. Foi caçador furtivo vários anos aqui no parque, antes de, há 12 anos (após uma pequena incursão no tráfico de drogas em Puerto Jimenez) ter dado uma volta completa na sua vida: deixou de fumar, de beber, de caçar e tornou-se guia.

O caminho torna-se cada vez mais penoso até porque, por causa das marés temos de subir de novo para dentro do bosque, pois a passagem pela praia está cortada. Finalmente o sendero desemboca na margem de 1 rio: o rio Grande. O nosso ponto de referência para "já estamos perto". Novamente o ritual de descalçar, tirar as meias, arregaçar calças, calçar havaianas. Novamente olho com inveja para as galochas do Abraham que espera por nós, pacientemente, entretendo-se a falar com os animais. É impressionante! Consegue imitar os sons de todos os animais e eles respondem-lhe criando um diálogo caricato.

Cerca de 50 mts para a esquerda a passagem é bem mais estreita (tenho de lhe perguntar porque não atravessamos aí). Rio atravessado, iniciamos a etapa final. A certa altura, o Abraham pára-nos. Sentiu o cheiro dos chanchos (javalis, segundo percebi) que devem andar por ali. São animais agressivos, que não se coíbem de atacar humanos e andam em grupos de 20 ou mais. Prosseguimos com a cautela que o terreno lamacento nos permite. Os pés afundam-se a cada passo na lama. Passados uns metros, ouvimos grunhidos ao nosso lado o que leva o Abraham a proferir um lacónico "Corram." e começa a correr. Ora, se o meu guia corre, quem sou eu para não o fazer!
Passado um bom bocado e ainda com os corações aos saltos, começamos a vislumbrar uma clareira relvada. Ao chegar, olho para a esquerda e vejo uma extensão de relva até ao mar - é a pista de aterragem para quem prefere vir de avião até aqui. Olho para a direita e, perfeitamente integrada no ambiente circundante, ergue-se a estação Sirena.
Várias estruturas madeira escura (tipo cabanas em ponto grande), ligadas entre si por passadeiras a 1 metro do chão (por causa das cobras?). Tiramos a fotografia da vitória e dirigimo-nos à zona das tendas para montar a nossa o quanto antes. Já lá estão algumas. Ficamos impressionadas com o conforto. Íamos preparadas para montar a tenda no chão e, ao invés, temos uma estrutura de madeira e até daqueles colchões de ginásio - nem precisamos de usar os prumos para fixar a tenda. Tenda já montada, olhamos à volta: as tendas, mochilas dos outros estão todas arrumadas. Olhamos para o nosso canto: o chavasco de roupas, comidas, garrafas de água, etc. estende-se por 10 m2. Partimo-nos a rir antes de arrumar tudo.
Agarro no sabonete e no pareo e arrasto-me dorida para o banho, enquanto ainda há luz. É uma experiência mística de tão revigorante! O frio da água que lava o sal, a areia, a terra e as feridas lava-me também a alma (tal como me disseram que faria).
Enquanto estamos no banho toca a sirene para o jantar. São 5.30h. É que quando a luz do sol se acaba, acaba-se a vida. Pelo menos a humana.
Despacho-me primeiro que a G. e arrasto-me até ao alpendre na minha parte preferida do dia: aquela em que a silhueta escura das árvores se recorta contra o céu azulado já sem réstia de sol. Enrolo 1 cigarro e penso no dia de hoje: nunca fui mãe, mas é assim que eu imagino que deve ser um parto. Horas de sofrimento que simultaneamente são uma experiência única e sentida a cada instante, para chegar ao objectivo que, de tão completo, faz imediatamente esquecer tudo o que se passou de mau, ficando só lembranças boas.
O facto de estar tudo a jantar e a G. no banho, concede-me o previlégio de estar estes 10 min. só com a selva. Vejo macacos, araras, pirilampos. Delicio-me. O Abraham vem ter ao alpendre e trocamos umas palavras sobre o dia. Conta-me que o seu record pessoal a fazer o caminho que acabámos de fazer em 6.30h, é 2.30h. Não percebo como. Pergunto-lhe pelas histórias mais assustadoras com animais e se não se cansa da selva. Pergunto-lhe pela família, se é casado. Responde triste que não é casado, mas a sua mulher, mãe dos seus 2 filhos, fugiu há 5 meses com outro, terminando com um sentido "la quiero mucho". A justificação foi ele nunca estar em casa. Este sítio deve ter o condão de tornar as pessoas vulneráveis. Não sei o que lhe dizer. Digo-lhe que se ela se foi embora é porque não era a mulher para ele. Esboça um sorriso e vai-se embora.
A G. acabou o banho e agora vamos jantar. À tuga, claro! Já todos jantaram e nós a fazer sandes de queijo e goiabada. Depois, estamos finalmente em condições de socializar um pouco. Ao nosso lado, sentados em círculo 3 franceses (Nico, Henrique e não me lembro do nome do 3º) e 2 americanos (Daniel e Michael) trocam experiências do dia. Os franceses viram um crocodilo no rio Grande. Penso que deve ser por isso que não atravessámos na parte mais estreita, deve ser onde costumam caçar. Tem lógica, mais potenciais presas por m2! Os americanos dizem que são de N.Y. e o objectivo deles é aplicar o street wise na selva. Os princípios são os mesmos, dizem: "Don't look them in the eyes!" Chegaram na véspera e hoje decidiram alugar um caiaque e (contra as indicações) subir o rio à procura dos crocodilos. Não viram nenhum mas a certa altura foram ultrapassados por um tubarão que entrou com a maré cheia. Amanhã vão partir cedo, para apanharem a selva de noite. Convidam a juntar-nos. Adiamos a resposta. Passa pouco das 8h da noite, mas sentimos que é tarde. Recolhemos às tendas.
A chuva de fim de tarde tornou-se agora um dilúvio inacreditável acompanhado de relâmpagos e trovões. Voltamos a sentir-nos miúdas e contamos os segundos entre cada um para saber a que distância está: 7km aproximadamente. Nunca ouvi chuva assim. Já não se ouvem animais. Só chuva! Intensa, poderosa, espessa. Viro-me de barriga para cima e fixo os olhos no que suponho ser o tecto. Sinto-me completamente esmagada pela Natureza. Adormeço com este pensamento.
A entrada no Paraíso


Papa-formigas








Uma árvore com a alcunha La puerta de la iglesia









A luta contra relógio para que haja paso






Um rasto de tartaruga





um tapir (ó animal estranho!)
uma cidade feita de árvores
O "aeroporto"
a desejada Sirena




A chuva