quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Luz verde

"Bom dia. São 6 horas e 55 minutos e você está a ouvir a Antena 3"
Como se estivesse a regressar de uma experiência de quase-morte, sentiu-se regressar ao corpo. Lutou contra o chão de gelo e levantou-se. Sentiu o vulto da mulher ainda a dormir e sentiu-lhe uma raiva secreta como não se deve sentir uma raiva secreta da mulher. Tomou banho... fez a barba... lavou os dentes... Ou terá sido fez a barba, lavou os dentes e tomou banho? Já não sabe.
Saiu para a rua, inspirou o ar frio e invocou descidas de snowboard e directas à beira-mar com os amigos. "Outros tempos, outra vida..." pensou, ao entrar apressado no carro sabendo que tem de se despachar se não quer apanhar a enchente da A-5. A alegada qualidade de vida por viver na Linha esfuma-se nas 3h diárias passadas ao volante.
Pensa que ouve uma música familiar. Seria U2? Tem quase a certeza que já soube a letra... Também não importa; a música está no fim e a viagem também. São quase 9:30h e espera-o mais um longo dia de trabalho a fazer o que não gosta, para um chefe que não o vê, rodeado de pessoas com quem não convive, num prédio suficientemente grande para ser claustrofóbico... Concentra-se na condução (um acidente não vinha nada a calhar ao orçamento familiar já de si apertado), muda de faixa e prepara-se para virar à direita. Claro que o carro à frente hesitou a passar o amarelo e ficou preso no encarnado. Olhou à volta sem olhar e...
viu-a. Atravessava a estrada com a confiança de quem sabe que pode e com a despreocupação de quem nem olha para o semáforo. Tinha os pés na terra, os ouvidos no iPod e a cabeça na lua. Avaliou-a. Era nova, mas não conseguia dizer que idade teria o que o fez automaticamente sentir velho, apesar dos 37 acabados de completar. Ia feliz, ligeira, cantava. Baixinho, mas ainda assim, cantava.
Pensou no quanto queria ser piloto de Fórmula 1 quando era pequeno, nas vezes que subiu a Serra de Sintra com os amigos e fingiu que era o Evereste, naquele amigo do pai que era médico em África... Tudo isto numa fracção de segundo, até ser despertado pela buzina do táxi atrás de si para onde olhou pelo retrovisor. E foi então que os seus olhos se encontraram no reflexo... meteu 1ª...
e seguiu em frente!

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