quarta-feira, 2 de março de 2011

Who wants to live forever

Hoje, em trabalho, fui à ante-estreia dum espectáculo de dança à Associação Cultural Menina dos Meus Olhos (quem não conhece, descubra!). Chama-se Peça Portátil e estará no CCB lá para Maio.

No folheto que me entregam à entrada lê-se : Duas idades. A do corpo e a da mente. A tua e a minha. Dois tempos: o Hoje (que já é quase Ontem) e o Amanhã (que não sabemos se chegará a ser Hoje). E uma fragilidade que não tem idade: a de precisarmos uns dos outros para podermos ser nós.
Esta é uma peça inspirada no envelhecimento como parte do ciclo da vida, que nunca cessa. Inspirada também na população idosa e no que esta, hoje em dia, tem de mais forte: a sua incontornável e dominante presença.
Porque todos querem viver para sempre, mas ninguém quer ser chamado de velho.

Comecei a ver o corropio dos assentos, notando uma "incontornável e dominante presença de população idosa". Alheei-me do espectáculo... Não completamente. Só o suficiente para observar a assistência... Os velhos. Sinceramente, não vislumbro porque "idosos" pode ser melhor do que velhos. Não é o que são? Na minha boca e na minha mente não tem um sentido depreciativo. Porque hei-de trocar a palavra por "idosos"? Quanto muito por "sábios"...

E, olhando à volta, entrei no seu mundo. À minha esquerda uma velhinha-miúda, daquelas franzinas, com os olhos muito vivos e brilhantes que, de 5 em 5 min, ausentava-se da sala acometida por ataques de tosse. Outra... Demasiado arranjada. Metade de mim a arrastar um casaco de peles e com uma bandolete de pérolas a enfeitar o cabelo ralo. Não consegue ver nada da peça. "Que desperdício", pensa "Arranjei-me eu para isto", sabendo que ainda assim é melhor do que a alternativa.  Levanta-se e vai-se sentar na ponta oposta, sem visibilidade nenhuma, de costas para o palco aliás. Senta-se num sofá vintaje de veludo cor de vinho e analisa o conteúdo da carteira. Conta notas. Depois moedas. Depois as notas de novo. E ainda as moedas. Miudezas.

À minha frente dispara um telemóvel. A dona, num misto de vergonha e atrapalhação, murmura irritada mais para si do que para quem a pudesse ouvir: "Esqueci-me de desligar isto!" Finalmente os dedos trôpegos impõem-se às teclas pequenas do telemóvel e... silêncio. A senhora a rezar pelo buraco que não surge. Passado um bocado, outro telemóvel. A senhora envergonhada a rezar pelo buraco que não surgiu, dá lugar à senhora ufana de satisfação por não ser a única. Mesquinhice.

Li, há muitos anos, num livro chamado Lágrimas sobre a Babilónia algo sobre a incapacidade dos EUA de resolver o conflito do Médio Oriente. Era mais ou menos assim: "Nunca os EUA, país com cerca de 200 anos e sem história, vão compreender uma cultura na qual duas famílias estejam zangada há 15.000 anos porque uma roubou à outra uma cabra". E penso que, se calhar, devíamos mandar velhos para o Médio Oriente resolver o conflito. Miudezas e mesquinhice. Eles iam entender.

Olho em frente para um mar de cabeças de prata, de costas para mim. Encostados à parede, bengalas, andarilhos, muletas. Será que quando somos velhos, por uma questão de equilíbrio das coisas, à custa de perder a capacidade motora, ganhamos outra, por exemplo intelectual? Como acontece aos cegos que ouvem melhor...

Silêncio. E tento concentrar-me na peça outra vez. 2 mulheres cobertas com um pano castanho, gritam: "Eu não sou um sofá!" em vários tons e entoações.

Cof cof... Um senhor três filas à minha frente tosse. De repente, outro. Depois, outra. e arrasta-se uma sinfonia de tosses. De repente, atinge-me: "Parecem crianças a chamar a atenção!"

É isso. Crianças. Saímos deste mundo como entramos, mas mais sábios. Crianças sábias. E eu, olhando para aquele mar de cabeças de prata e sabendo o quanto adoro a minha avó e a importância que ela tem na minha vida e em mim, não posso deixar de lamentar profundamente que nem toda a gente saia deste mundo tão amada e tão querida como provavelmente entrou.