segunda-feira, 6 de junho de 2011

A minha versão do amor

Em Lisboa, faço a minha vida a pé. Quase toda. Às vezes complementando com autocarros e metros. Eu reconheço todos esses argumentos de que o metro é mais rápido, mais fashion, mais Nova Iorque, mas a mim causa-me alguma confusão o "estar debaixo da terra", por isso acabo muitas vezes num autocarro.

Naquela manhã entrei num e dei os bons dias ao condutor (adoro que um bom dia seja algo que eu posso dar assim). Dou bons dias a condutores de autocarros de forma involuntária e normalmente só me apercebo que o fiz quando olham para mim supreendidos e respondem entredentes.
Segui, sentei-me e pensei no muito que tinha para fazer naquele dia e nos dias seguintes àquele. E lembro-me que prometi dar feedback a um amigo do filme Barney's Version (A Minha Versão do Amor) quando o visse, e já o vi e ainda não dei. E mentalmente estruturei os meus pensamentos sobre o filme. Gostei muito. Mesmo. Porque me surpreendeu, sem que eu esperasse. Eu explico. Habituei-me a dividir os filmes que tenham histórias de amor por tema central, em 2 categorias:
ou bem que se trata de um filme lamechas sobre um par de brasas que passam 2h no ecrã (porque ninguém acredita que aquilo possa acontecer na vida real, pois não?) às turras até finalmente abrirem a pestana e perceberem o que não tinham visto nem que tivessem sido atropelados pelo óbvio, que sempre estiveram pré-destinados, que é muito simples e cor-de-rosa ficarem juntos e deixam-nos antever que vão ter filhos lindos sem problemas nem crises existenciais de adolescência, e viver em casas enormes e bem decoradas sem pagar prestações ao banco nem contas de qualquer espécie,
ou
é daqueles filmes em que eu, antes de entrar no cinema, já me preparo psicologica e fisicamente para ser atropelada por um camião e ainda levar um pontapé no estômago depois. Filmes duros em que o amor é utópico e, por isso, nunca resulta e o máximo que podemos esperar é uma vida partilhada com alguém como se partilha uma coisa demasiado pesada para ser carregada sozinho. Com contas e traições e resignações e reveses e tragédias e rotinas e caras tristes reflectidas em espelhos.

Já a versão do amor do Barney não é nem uma coisa nem outra. É a história de um amor utópico e perfeito na vida de pessoas cheias de realidade e imperfeição. É a história de um amor que não devia existir, mas existe. E resiste. A outras relações, ao casamento, à traição, ao divórcio e à morte. Se o amor não começa com o casamento porque raio haveria de acabar com o divórcio?

Olho para o relógio. São 8.11h da manhã e é nestas coisas que penso... Rio-me para mim  e faço a nota mental: "Não sejas tão séria contigo própria." E nisto, entra no autocarro um pretinho que não tinha nem mais de 14 anos nem barba na cara. Com um ramo... Não. Ramo não é a palavra certa e eu quero descrever isto bem... Com um molho de florzinhas de todas as cores e espécies, com caules do tamanho de lápis, provavelmente surripiadas de um qualquer jardim, com as raízes ainda a pingar terra. A fazer as vezes de embrulho um saco de plástico da farmácia.
Entrou com uma cara solene, os olhos sorridentes e com um molho de flores embrulhadas num saco de plástico da farmácia e sentou-se atrás de mim.

E nesse instante, naquela manhã, naquele autocarro, daquele miúdo reaprendi uma lição, que já tinha esquecido. E a versão do amor que envolve molhos de florzinhas de todas as cores e espécies, com caules do tamanho de lápis, com as raízes ainda a pingar terra, embrulhadas em saco de plástico da farmácia tornou-se a minha.

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