quarta-feira, 10 de setembro de 2008

15.08.08

Acordo lentamente de uma noite muito bem dormida. Faço mentalmente o percurso inverso que me trouxe até aqui: 6.30h a pé, 2.30h no colectivo, inúmeros kms no Jimny pelas estradas da Costa Rica, avião desde Dallas, antes disso avião desde Londres, antes disso ainda avião desde Lisboa, táxi de casa da G. até ao aeroporto, carro de minha casa a casa da G.... Tenho pena de não ficar mais um dia, mas não temos tempo.
Arranjamo-nos, desmontamos a tenda, comemos qualquer coisa e arrancamos. Passa pouco das 6.00h e faz toda a diferença fazer a caminhada com menos calor. Aliás, chove um bocadinho, não o suficiente para nos atrapalhar, mas o suficiente para mudar toda a paisagem. Parece que encomendámos: "Vamos por pouco tempo, mas queremos ver tudo!"
Vamos a caminho da 1ª etapa: a passagem do rio Grande (desta vez com o kick de já sabermos que é a adorável residência de crocodilos). Mais uma vez cruzamo-nos com uma manada de chanchos e temos de esperar em silêncio e completamente imóveis que passem.
Após confirmar com o Abraham que a zona estreita é onde os crocodilos costumam caçar, convenço-o a dar umas voltas por ali na expectativa de ver algum em acção. Não temos sorte. Avançamos para a praia e ficamos a saber que, da mesma forma que os tubarões entram no rio, os crocodilos saem para o mar!
Iniciamos o caminho de regresso, sentindo de antemão que vai ser duro. O sol já está mais quente, ou eu mais cansada. Continuo a ver novos animais, novas plantas. Como se estivesse a ver tudo pela 1ª vez. De facto, a única parte do meu corpo que não se sente uma estreante por estas paragens, são mesmo as pernas.
Chegamos à fatídica praia que temos de atravessar: a Playa Llorona. Tenho quase a certeza que li algures que o nome se deve ao jorro de água no meio das rochas, mas o Abraham diz-nos que é por haver pessoas que choram para a atravessar. Brincadeirinha local!
Aqui encontramos o Michael e o Daniel. Saíram 3h antes de nós mas perderam-se. Não me espanta. O Abraham contou-nos que há uns tempos 2 nórdicos vieram aqui e tentaram fazer tudo sozinhos, recusando por mais de uma vez a ajuda de um guia. Um caiu para o lado nesta praia fulminado pelo calor, o outro entrou em pânico e fugiu para dentro do mato à procura de abrigo do sol... até hoje. Como se este sítio não impusesse respeito por si só.
Começo a ouvir um barulho familiar mas que está claramente deslocado. Olho para cima e vejo 1 avião. Só posso imaginar como será a vista lá de cima, selva e mar separados por uma praia com 3 pontinhos minúsculos a atravessá-la. Tenho a sensação que o mesmo pensamento cruza os nossos espíritos ao vermo-nos reciprocamente e é: "Que parvos!" Provavelmente cada um de nós está exactamente onde deve estar para conseguir tirar desta experiência algum sentido.
Continuamos a nossa senda de praia, bosque, praia, bosque. Ainda não perdi completamente a esperança de avistar um felino. Cada vez sinto os sentidos mais apurados e muitas vezes topo animais bastante camuflados sem qualquer ajuda do guia (temo que, perante o meu entusiamo, a G. esteja a ponderar seriamente deixar-me aqui para desenvolver uma carreira frutuosa enquanto guia).
Numa das incursões pela floresta entramos num antigo cemitério (se é que 1/2 dúzia de campas tem esse estatuto) que data dos anos 60/70. Tento decorar os nomes e as datas, sabendo à partida que me vou arrepender de não ter tido o trabalho de parar para os apontar. Lembro-me de um rapaz chamado Francisco (fácil, igual ao irmão que apelidamos de "puto") que morreu com 4 anos e de uma mulher de apelido Cortez. Não tirei fotos porque considero desrespeitoso.
Passamos de novo pela árvore de conto de fadas com o nome "puerta de la iglesia". Hoje compreendo melhor o seu significado do que ontem. Este sítio é espiritual. Atravessamo o rio Madrinhal antes de chegar à estação La Leona. Devem faltar uns 45 min de puro sofrimento (pelo menos para mim). Já não temos água, todos os músculos dão sinais de alerta, os pés doem-me e as feridas que tenho nos tornozelos idem. Mentalmente defino as minhas prioridades quando chegar:
1. Beber água;
2. Descalçar-me;
3. Tomar duche; e
4. Descansar.
Se der para encaixar comer qualquer coisa entre os pontos 3. e 4. tanto melhor! Enumero a minha lista à G. Discorda. Para ela é: 1. Descalçar, depois logo se vê. É ridículo, mas esta conversa entretém-nos um bom bocado.
Começamos a ver umas cabanas dispersas e o chão torna-se relvado. Com o cansaço e a ânsia de chegar não vejo um buraco e mando uma espeta épica. Nem sinto. Só penso em chegar.
Quando finalmente chegamos à estação La Leona, nem passo cartão ao homem que nos oferece Coca-cola e afins. Dirijo-me à água e emborco 3 copázios antes sequer de pensar. Depois, mantendo-me fiel à minha lista, descalço-me (ponderando deixar os ténis já aqui). Depois tomar banho no duche (nem me apetece ir ao mar, só a ideia de água salgada dá-me arrepios). Borrifamos bem para o facto do La Leona ser o tent lodge onde a malta com dinheiro vem brincar às selvas e desatamos a fazer sandes de atum no relvado. Depois, começo a procurar pouso. A G. numa rede. Eu deito-me na relva. Pica. Vou buscar a esteira. Melhor, mas ainda não perfeito. Vou buscar uma cadeira (para pôr as pernas para cima) e a minha almofada (sim, era esta a figura em que me apresentava). Agora sim, 28h, cerca de 40 km, anos de experiências depois de ter aqui chegado, caio no sono mais profundo sem direito a sonhos. Quando acordo, luto com a mente para que me diga onde estou. Olho para a praia, vejo um homem com um chapéu improvisado de plantas e com ar de zombie a atravessá-la.
O Abraham e o amigo Andy gozam connosco por termos quinado ferradas. Começo já a avisar que não consigo fazer os 3.5km até ao colectivo a pé. Peço que nos deixem ir na carroça das malas. Arrumamos as coisas e quando o condutor começa a dizer que só dá para ir 1 na carroça, já lá estamos as 2 empoleiradas a olhar para ele em modo gato-das-botas-do-Shrek. Vai a pé.
Faço quase todo o caminho virada para trás a despedir-me do paraíso, sabendo que provavelmente ao longo do resto da vida verei alguns sítios mais loucos (e muitos que não o são), mas nunca voltarei a um sítio igual. Sinto que este sítio me acompanhará por muito mais tempo do que o que aqui passei e isso reconforta-me. You can take the girl out of the jungle but you can't take the jungle out of the girl.

















2 comentários:

Ana Gabriela Pedrosa disse...

Obrigada por me fazeres recordar todos os dias os pequenos pormenores da viagem!...
***

Atrás da Lua disse...

Espero que ainda tenhamos muitas mais viagens para vir aqui descrever!

Anytime,mas da próxima trocamos: tu tratas dos bichos, eu do dinheiro!!!!